Em artigo, advogado explica regras do acordo de não persecução penal
Palavras-chaves: Acordo de não persecução penal, artigo de Dimitre Carvalho Padilha, Direito, Justiça Penal Negociada, opinião
Em seu artigo de estreia no site Ilhéus Comércio, o advogado criminalista Dimitre Carvalho Padilha apresenta as regras que disciplinam o instituto do acordo de não persecução penal no Brasil, que pode ser usado como instrumento de defesa técnica de pessoas investigadas em inquéritos criminais. Leia.
Um papo sobre Acordo de Não Persecução Penal
Por Dimitre Carvalho Padilha.
Inicialmente, cumpre tecer algumas considerações acerca da advocacia criminal.
De plano, é inegável que a advocacia criminal desempenha relevante papel no combate à criminalidade, em especial, aos crimes de corrupção, dissecados pelo Direito Penal Econômico. Calma! Não estou louco. Não se trata de bravata ou supervalorização da classe. Mas, é imprescindível entender e reconhecer a importância da advocacia para a evolução do direito ao longo da historia, sob pena de incorrermos no equívoco já tratado no tema “Alegoria da Caverna”, de Platão. É sempre importante ampliar nosso campo de visão.
Para ser mais claro, chamo à baila o renomado jurista Miguel Reale. Para este, o Direito é experiência humana que se dá por razões concretas, “derivadas do logos concreto do razoável”. Assim, para o jurista, o Direito é artefato da cultura, e, por conseguinte, um produto histórico.
Rapidamente, devo citar a Teoria Tridimensional do Direito.
É o próprio Miguel Reale quem explica que a Ciência do Direito, sobretudo a partir da Segunda Grande Guerra Mundial, caracterizou-se “por uma crescente luta contra o formalismo, o que implica repúdio às soluções puramente abstratas”, buscando-se “cada vez mais correlacionar as soluções jurídicas com a situação concreta na qual vivem os indivíduos e os grupos”.
O cerne da Teoria Tridimensional do Direito é o entendimento do fenômeno jurídico como composto intrinsecamente por três elementos: fato, valor e norma, postos em relação dialética de complementaridade, e não como três visões ou enfoques possíveis ao Direito, de maneira estanque. O Direito é apaixonadamente dinâmico, sempre em busca da paz social.
É neste ponto que se insere e observa-se a importância da advocacia criminal para o aprimoramento das leis penais. Ou seja, à cada caso concreto, à cada tese defensiva, novas possibilidades, novos ramos, novos modus operandi dos agentes criminosos, novos entraves legislativos e novas lacunas ensejam aprimoramento dos mecanismos de combate à criminalidade, e, ao mesmo tempo, se fortalece a segurança jurídica dos procedimentos, prestigiando, assim, a sociedade e, consequentemente, os jurisdicionados.
O próprio funcionamento prático dos institutos do direito penal passa pelo crivo da advocacia, haja vista serem os advogados, assim como os promotores de justiça, os primeiros a lidar com o caso concreto e suas implicações. Isto sem jamais olvidar-se da também importante contribuição dos nobres magistrados.
Neste aspecto, membros do Ministério Público, Advogados e Magistrados são espécies do mesmo gênero, todos imbuídos do mesmo sentido que rege o Direito Criminal: a busca incessante pela verdade. A meu ver, essa não é uma visão idealizada do direito, ao contrário, esse é o ponto em que reside a maturidade ética dos que militam nesta área.
Todos devem abaixar as armas e dialogar acerca do aprimoramento das leis e seu funcionamento prático, proporcionando maior eficácia e segurança jurídica.
Agora podemos adentrar ao tema jurídico mais comentado do momento, e que mais gera discussões acaloradas: a Justiça Penal Negociada.
Neste artigo, até pela desagradável extensão, vou limitar-me a tratar do primeiro tema: Acordo de Não Persecução Penal. Os demais temas, como a Colaboração Premiada, serão tratados em artigo futuro.
Importante destacar, desde logo, que, observados os requisitos formais da voluntariedade e espontaneidade do investigado/acusado, a justiça penal negociada é meio legal e importante de obtenção de prova, que certamente contribuirá para a desarticulação de organizações criminosas. Neste mesmo sentido, este instituto também é meio de defesa inegavelmente importante, não podendo ser, jamais, desprezado pela advocacia, claro, sendo esta a vontade espontânea do investigado/acusado. Mas este também será um tema tratado futuramente.
Como dado histórico, é importante destacar que a Justiça Penal Negociada não é especificamente novidade na legislação penal brasileira. Para os mais curiosos, sugiro a leitura da lei 9.099/95, dos Juizados Especiais Cíveis e Criminais.
Os artigos 60 e 61 desta lei tratam da transação penal para infrações de menor potencial ofensivo (contravenções penais e delitos com pena máxima não superior a dois anos). Também, o artigo 89 prevê que o Ministério Público poderá propor a suspensão condicional do processo, por dois a quatro anos, para crimes em que a pena mínima for igual ou inferior a um ano.
Nesta mesma cronologia, temos também o instituto da Colaboração Premiada. Aplicado desde a década de 1990, com a promulgação da lei 8.072/90, que trata dos crimes hediondos.
Embora previsto desde a década de 90, só com o desenrolar da ação penal 470, conhecida como “Esquema do Mensalão”, o instituto da Colaboração Premiada passou a ser comumente utilizado, ganhando contornos práticos com a lei 12.850/13 – também alterada pela já citada lei 13.684/19.
Mais especificamente, é o art. 4º da lei 12.850/13 que prevê a possibilidade de o investigado/acusado realizar acordo de colaboração premiada com as Autoridades Públicas nos crimes que envolvem organização criminosa. Mas este será o tema do próximo artigo.
Sem mais delongas, vamos ao cerne deste artigo.
O ACORDO DE NÃO PERSECUÇÃO PENAL foi incluído no art. 28-A do Código de Processo Penal pela lei 13.964/19, sendo um dos mais extensos artigos deste códex, trazendo um rol bastante detalhado dos requisitos autorizadores deste instituto.
Verdadeiramente, o artigo 28-A do CPP amplia o espectro da JUSTIÇA PENAL NEGOCIADA, dando-lhe maior discricionariedade e dinâmica, haja vista que socorre ao investigado maiores possibilidades de realizar acordo com
o Ministério Público.
Destaca-se, desde já, qual a fase processual e a quem se aplica. O acordo de não persecução penal só é aplicável antes do oferecimento da denúncia, ou seja, não socorre ao denunciado/acusado. Somente aplica-se ao investigado.
Em aspectos práticos, o Acordo de não Persecução Penal precede ao acordo de Colaboração Premiada, haja vista possuir rol mais específico que o autoriza. Ou seja, primeiro é precisa analisar sua viabilidade. Em não sendo o caso, passa-se a cogitar a Colaboração Premiada.
Neste viés, o acordo de não persecução penal, agora incluído no ordenamento jurídico pela lei 13.964/19, é o mais novo instituto do direito penal negocial. Este amplia consideravelmente as possibilidades do investigado realizar acordos com as autoridades públicas – em especial com o Ministério Público – lembrando que este instituto só socorre ao investigado, antes de haver acusação formal quanto à prática de crimes.
Conforme previsão expressa do art. 28-A do Código de Processo Penal, em não sendo caso de arquivamento da investigação, se o investigado confessar infração penal praticada sem violência ou grave ameaça e com pena mínima inferior a quatro anos (letra de lei), o Ministério Público poderá propor acordo de não persecução penal.
Importante salientar que o acordo será proposto sempre com enfoque na proporcionalidade que deve existir entre o delito e os meios necessários e suficientes à sua reprovação e prevenção. Isto denota que o investigado não
sairá totalmente ileso com a realização do acordo, até porque este não é o escopo da justiça penal negociada.
Precipuamente, o acordo de não persecução penal socorre aos delitos cominados com pena mínima não superior a 4 anos. Isto amplia significativamente o rol de delitos que o Ministério Público poderá propor acordo, pois a pena mínima inferior a 4 anos engloba inúmeros crimes, desde furto simples até os crimes praticados por agentes públicos, como peculato e lavagem de dinheiro, que atualmente são objeto das maiores operações da Polícia Federal e do Ministério Público.
Outro requisito formal referido no artigo 28-A, CPP, são as condições para realização do acordo, contudo, estas poderão ser ajustadas cumulativa ou alternativamente, moduladas caso a caso, que são: reparar o dano ou restituir a coisa à vítima, salvo na impossibilidade de fazê-lo; renunciar voluntariamente aos bens e direitos indicados pelo Ministério Público como instrumentos, produto ou proveito do crime; prestar serviços à comunidade por período correspondente à pena mínima cominada ao delito diminuída de um a dois terços; pagar prestação pecuniária; cumprir, por prazo determinado, outra condição indicada pelo Ministério Público, desde que proporcional e compatível com a infração penal imputada (letra de lei).
Por estas razões, quando se lê no dispositivo “as condições deverão ser ajustadas entre as partes”, verifica-se que o artigo 28-A, CPP, concede aos membros do Ministério Público amplo nível de discricionariedade, visto que admite expressamente a estipulação de obrigações não previstas no próprio artigo.
Neste ponto, verifico relevante importância, haja vista serem os membros do MP, assim como os advogados, os
atores inicialmente mais próximos ao processo e às partes, e que, satisfatoriamente, poderão analisar com maior propriedade aspectos peculiares, tanto do investigado quanto da investigação. Por óbvio que não se quer condenar ou absolver a qualquer custo. A busca pela verdade sempre deve ser o norte do direito criminal.
Analisado quem pode realizar Acordo de Não Persecução Penal, passemos agora a verificar quem não pode. Segundo
o §2º do art. 28-A, não será cabível o acordo: se o investigado for reincidente ou se houver elementos probatórios que indiquem conduta criminal habitual, reiterada ou profissional, exceto se insignificantes as infrações penais pretéritas; se o agente tiver sido beneficiado por acordo de não persecução penal, transação penal ou suspensão condicional do processo nos 5 anos anteriores ao cometimento da infração; nos crimes praticados no âmbito de violência doméstica ou familiar ou praticados contra mulher por razões da condição de sexo feminino, como o estelionato afetivo.
Aqui se verifica uma limitação considerável à possibilidade de realização do acordo de não persecução, quando analisamos os requisitos habitualidade, reiteração e profissionalismo em consonância com os crimes praticados por agentes públicos. Em seu tradicional modus operandi, é certo que, na maioria das vezes, estes delitos são cometidos em associação criminosa, de forma habitual e reiterada. É verdade, na prática, a maioria destes crimes envolve múltiplos agentes criminosos e longo período de tempo. Contudo, mesmo assim, é possível pinçar determinados investigados que, por omissão delitiva, foram incluídos no espectro da investigação, contudo, com participação limitada (no tempo e na atuação) e sem proveito econômico. Aqueles agentes públicos que fecham os olhos para a prática delitiva de seus superiores, com o único objetivo de manterem seus empregos.
Por fim, analisados os requisitos formais, imprescindível a verificação dos aspectos do procedimento.
Na prática, decidida a transação penal, o requerimento será formalizado por escrito pelo defensor legalmente constituído e encaminhado à promotoria competente. Após as tratativas, alcançado o acordo, o promotor de justiça, o investigado e seu defensor assinam termo de acordo de não persecução e, após a formalização, distribui-se ao juízo competente para homologação.
A homologação será realizada mediante sentença após audiência em que o magistrado ouvirá o investigado na presença de seu advogado. A finalidade desta importante audiência é aferir a voluntariedade e espontaneidade do investigado em realizar o acordo. Presentes os requisitos autorizadores, medida que se impõe é a homologação.
Adianto que este mesmo procedimento é adotado nos acordos de Colaboração premiada.
Aqui cabe um destaque. A verificação da voluntariedade e espontaneidade feita pelo juiz é intrinsecamente importante, haja vista as possibilidades de pressão (coação) engendrada através de prisões preventivas, como, por exemplo, suspeita-se que ocorreu na operação Lava Jato, sem jamais retirar desta sua relevância no efetivo combate à corrupção. Contudo, o procedimento da justiça penal negociada deve ser absolutamente respeitado, sob pena de haver-se deturpado o instituto.
Por fim, entendo que a justiça penal negociada é uma realidade que deve ser analisada com cautela pelos advogados como uma importante e legítima estratégia de defesa técnica, sempre observando os princípios éticos norteadores da advocacia.
Este instituto, assim como a colaboração premiada, é relativamente novo no ordenamento jurídico brasileiro, carecendo, evidentemente, de aprimoramentos que serão gradativamente engendrados através da prática. Contudo, saliento que a justiça penal negociada não deve permanecer um tabu insanável para nossa advocacia criminal, tradicionalmente pautada no combate/litígio.
Essa reflexão jamais retirará da advocacia criminal sua consagrada força. Ao contrário, entendo a justiça penal
negociada como uma evidente força defensiva à disposição dos grandes advogados.
Inauguram-se novos tempos. O aprimoramento dos institutos da justiça penal negociada é um desafio empolgante. Precisamos abrir as discussões acerca do tema, deixando aqui minha humilde sugestão aos nobres presidentes das seccionais da OAB: vamos trazer este tema à baila?
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