Covid-19: abrigo em Mamoan “pode ser uma tragédia”, alerta professor da UESC
Palavras-chaves: coronavírus, covid-19, Guilhardes Júnior, Mamoan, Meio Ambiente, Prefeitura de Ilhéus, saneamento básico
Em declaração obtida com exclusividade pelo Ilhéus Comércio, o professor de Direito Ambiental da UESC, Guilhardes Júnior, avaliou que a instalação do abrigo para pacientes com sintomas leves de Covid-19 em Mamoan “pode ser uma tragédia”, devido à possibilidade de contágio via esgoto, tema cercado por incertezas nas pesquisas feitas até o momento.
O Ilhéus Comércio informou que a prefeitura vai ocupar o Hotel Village Enseada do Mamoan por meio de requisição administrativa. O objetivo é transformar o espaço no abrigo de isolamento temporário dos pacientes com sintomas leves da Covid-19, para diminuir as oportunidades de contágio a partir desses casos ativos. Assim, a Secretaria Municipal de Saúde também poderá oferecer acompanhamento médico aos abrigados. Os argumentos da Prefeitura de Ilhéus não convenceram a comunidade de Mamoan, que reagiu com protestos contra a iniciativa.
As manifestações chamaram a atenção da TV Santa Cruz, que veiculou matéria sobre o impasse na edição de sexta-feira (26) do BA-TV. Mamoan, como boa parte de Ilhéus, não tem serviço de tratamento do esgoto. Moradores afirmaram à emissora que as fossas sépticas do local costumam transbordar quando a maré sobe muito ou em períodos chuvosos. Seu Nilson mora perto do Village. Ele disse à televisão que a fossa séptica do hotel transborda no seu quintal quando há muitos hospedes. De acordo com a TV Santa Cruz, o projeto da prefeitura prevê abrigo para até 120 pacientes.
A esposa de Nilson pertence a um grupo de risco. “A gente tá aqui apavorado”. Ele não especificou que tipo de característica tem potencial para agravar a saúde da companheira em caso de contágio.
O coordenador de vigilância epidemiológica do município, Gleidson Santana, disse que a prefeitura vai fazer a manutenção necessária para evitar que a fossa séptica do hotel transborde. “A gente sabe que existe uma contaminação do solo se tiver dispensação de dejetos no manguezal, por isso a gente está tendo essa preocupação, esse cuidado também com a parte do meio ambiente. Não que essa fossa vai transmitir o vírus da Covid. A gente não tem estudo nenhum que comprove que o vírus é transmitido pelas fezes ou urina”, disse o gestor público ao BA-TV.
De fato, não há estudos conclusivos demonstrando a transmissão do novo coronavírus por meio do esgoto. Não existe também pesquisa que tenha comprovado a hipótese contrária. Esse tipo de incerteza predomina diante de outras questões impostas pela pandemia, porque estamos no início da história natural do Sars-Cov-2. Agora, as ciências que tomam o vírus como objeto de estudo, a partir de diferentes formas de abordagem, produzem mais perguntas do que respostas – essa, por sua vez, é uma característica do próprio desenvolvimento científico. Há, porém, indícios que tornam a possibilidade de contágio mais provável do que descartável.
“Coronavírus: esgoto pode ser via de contágio, indicam estudos”. Esse é o título de reportagem da BBC publicada em abril. O portal da televisão britânica ouviu a bióloga e doutora em Engenharia Hidráulica e Saneamento, Juliana Calabria, sobre as pesquisas que analisam a possibilidade de contágio do novo coronavírus via esgoto.
“Os autores ressaltaram que embora o conhecimento sobre a viabilidade (capacidade de infectar) do novo coronavírus seja limitado, ele poderia estar viável por vários dias, levando à transmissão fecal-oral, conforme verificado nos casos de outros vírus, que transmitem a síndrome respiratória aguda (CoV) e a síndrome respiratória aguda do Oriente Médio (CoV.2)”, explicou a bióloga, que é pesquisadora da Universidade Federal de Minas Gerais e subcoordenadora do Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia – Estações Sustentáveis de Tratamento de Esgoto (INCT – ETS Sustentáveis).
Nesse sábado (27), a reportagem do Ilhéus Comércio consultou o professor Guilhardes Júnior, doutor em Desenvolvimento e Meio Ambiente, sobre a escolha de uma comunidade sem saneamento básico para a instalação do abrigo.
Na Universidade Estadual de Santa Cruz (UESC), numa das aulas de Guilhardes na matéria Direito Ambiental, os estudantes aprendem a diferenciar dois princípios que costumamos usar como sinônimos: prevenção e precaução.
A diferença reside na demonstrabilidade científica dos conhecimentos que devem orientar um ato administrativo. Enquanto o princípio da prevenção se baseia em certezas científicas sobre a ocorrência de danos ambientais, para que se adote ou não determinada medida num caso concreto, o da precaução considera os perigos potenciais de um ato ou de uma omissão. Em outras palavras, se a prevenção evita um dano que sabidamente ocorrerá caso determinada atitude seja tomada ou negligenciada, a precaução trata de um dano cuja ocorrência não pode ser antecipada com certeza pelo método científico, mas também não é descartada por ele.
A julgar pelo que os cientistas descobriram até o momento sobre o novo coronavírus, o imbróglio de Mamoan é um caso em que o princípio da precaução pode ser evocado, avalia Guilhardes. “Tenho acompanhado por cima essas questões, mas do ponto de vista ambiental, sim, pode ser aplicado o princípio da precaução, tendo em vista que a inexistência de uma estrutura sanitária na localidade aumenta demais o risco. Certo que o risco de contágio existirá em qualquer lugar, mesmo no Centro. Mas ali, naquele lugar, invisibilizado do ponto de vista sanitário e urbanístico, pode ser uma tragédia”, vaticina.
Hoje, 28 de junho de 2020, São Jorge dos Ilhéus completa 486 anos de fundação. A antiga capitania conserva traços originais da colonização portuguesa, como a falta de saneamento básico para a maioria dos habitantes. Em Mamoan, diante do mesmo mar navegado pelos colonizadores que trouxeram outros vírus, uma comunidade resiste à ocupação de outro Estado, que mais se assemelha a um pai ausente do que ao soberano colonizador.
2 Comments
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Ana Maria dias Freitas
28 de junho de 2020 at 23:53Isso é um absurdo, tanto lugar em Ilhéus, vão escolher logo um povoado sem infraestrutura
Gleicy
29 de junho de 2020 at 09:02A zona sul tem hotéis que podem abrigar essas pessoas com segurança e porque não e feito isso? Pq o prefeito mora lá e ele só quer as boas obras e oq não for bom pra ele que vá pra o norte e que prejudique os outros mamoan não tem como receber estás pessoas infectadas pois não tem saneamento básico e maioria da população são idosos e criança.