Entrevista: ex-secretário elogia Fernando Gomes e critica decisões de Fábio Vilas-Boas
Palavras-chaves: covid-19, Entrevista, Fábio Vilas Boas, Fernando Gomes, Itabuna, Prefeitura de Itabuna, Uildson Nascimento
No dia 10 de junho, uma quarta-feira, Uildson Nascimento descobriu por meio da imprensa que o prefeito Fernando Gomes decidiu retirá-lo do comando da Secretaria Municipal de Saúde em plena pandemia de Covid-19.
A notícia se confirmou. Dois depois, estava encerrada sua passagem de quase nove meses pelo governo de Itabuna. Fernando o substituiu por Juvenal Maynart.
Técnico em contabilidade, Uildson Nascimento tem larga experiência na administração pública. Já comandou a Secretaria de Saúde de Ilhéus (2011) e a Secretaria de Planejamento de Ubaitaba (2017-2018). Também ocupou outros cargos nas prefeituras de Ilhéus e de Itabuna.
Na entrevista abaixo, ele fala da experiência de trabalhar com o prefeito Fernando Gomes e elogia o mandatário. Por outro lado, critica as escolhas do secretário de saúde da Bahia, Fábio Vilas-Boas, na gestão da crise do novo coronavírus. Também destaca os pontos positivos do seu trabalho à frente da Secretaria de Saúde de Itabuna. Leia.
Você enfrentou muitas dificuldades no início do trabalho na secretaria?
O início foi tumultuado e complicado. Encontramos uma equipe desmotivada e uma rede desorganizada. Faltavam materiais básicos no almoxarifado, como esparadrapos e gazes. Os secretários que me antecederam não fizeram bem o dever de casa. Tomaram decisões equivocadas. Uma dessas decisões, que culminou em diversos problemas, foi fechar a pediatria do [Hospital Manuel] Novaes. Também encerraram o vínculo do SUS com o Hospital São Lucas, que era a porta de entrada para o Hospital Calixto Midlej. Outra decisão atabalhoada.
Qual foi o maior desafio no comando da Secretaria de Saúde de Itabuna?
Itabuna é sede da macrorregião sul. Pessoas de muitas cidades usam serviços que funcionam lá. Encontramos muitos problemas nas áreas de pediatria, obstetrícia e oncologia. Atenção primária estava toda desorganizada. As unidades de saúde estavam totalmente destruídas. Começamos a reformar paulatinamente. Não tínhamos recursos no início. Resolvemos o problema da falta de insumos. Hoje não faltam materiais nas unidades de saúde. O maior desafio foi reorganizar a atenção primária e avançar com os serviços de pediatria, obstetrícia e oncologia.
Você deixou o governo magoado? Pergunto por que você ficou notavelmente emocionado quando conversamos sobre a sua saída.
Eu não tenho nenhum tipo de mágoa. Saio da gestão com a cabeça erguida de quem cumpriu seu dever. Nós tínhamos uma meta: reorganizar todo o sistema de saúde. Avalio que alcançamos 70% desse objetivo maior.
Você se refere ao percentual de cobertura da rede básica?
Não. Falo dos problemas que conseguimos sanar.
Por favor, cite exemplos que justifiquem essa avaliação.
Reabastecimento das unidades básicas de saúde. Você pode apontar que isso já é obrigação de rotina, eu concordo, mas não era assim antes. Nós reorganizamos os fluxos de abastecimento e de serviços e os processos de trabalho. Trouxemos as linhas de cuidado: saúde da mulher, do idoso, da criança e acompanhamento dos diabéticos. Isso não existia na secretaria. Também trouxemos o Melhor em Casa, que é o home care [tratamento em casa, em tradução livre]. Nós buscamos recursos federais, que já estão no Fundo Municipal de Saúde de Itabuna. A UPA, quando chegamos, funcionava com 30% da sua capacidade. Agora funciona com 100%. Também trouxemos 100 mil reais do Ministério da Saúde por mês para a UPA. Nós estávamos requalificando a estrutura para ampliar a capacidade de atendimento e a qualidade dos serviços. Uma unidade de pronto-atendimento estruturada pode receber até 180 mil reais por mês do ministério. Para você ter uma ideia, ela não tinha a documentação de vistoria do Corpo de Bombeiros nem a documentação liberada pela Vigilância Sanitária do Estado da Bahia. A qualificação envolve a equipe profissional, mas também as condições físicas das unidades.
Como foi a experiência de trabalhar com o prefeito Fernando Gomes?
A experiência foi magnífica. Eu conheci o prefeito quando assumi a secretaria, em setembro de 2019. É uma pessoa que passei a admirar e respeitar, porque Fernando Gomes é sério e sincero. Fala com sinceridade, olhando nos olhos das pessoas.
Como foi a relação institucional com o filho do prefeito, Sérgio Gomes, presidente da Fundação Fernando Gomes?
No início foi uma relação conturbada. Ele é uma pessoa intransigente. Depois, nós conseguimos construir uma boa relação profissional, não de amizade.
Você me disse que seu legado foi transmitir aos servidores um entendimento humanista sobre a importância do Sistema Único de Saúde. Como você percebeu isso?
Na autoestima da equipe, que melhorou também pela relação respeitosa. Eu acredito que a maior parte dos servidores entende que o SUS é feito para a população e não para os próprios funcionários. Isso ficou muito claro para mim na minha saída, porque diversos servidores me ligaram ou enviaram mensagens para dizer que reconhecem o compromisso que honramos com o serviço público. Alguns manifestaram preocupação com o futuro, porque cada gestor tem seu estilo.
Por que o prefeito lhe demitiu?
O próprio prefeito falou que minha saída ocorreu por uma questão política. Ele falou que eu sou uma pessoa séria, direita, um bom técnico, mas não fui político. Também incutiram na cabeça dele que eu fiz críticas ao governador [Rui Costa], mas eu fiz a crítica diretamente ao secretário do estado [Fábio Vilas-Boas].
Quais eram os problemas que o município enfrentava, no combate da Covid-19, quando você disse que Itabuna precisava de mais atenção por parte da Secretaria de Saúde do Estado?
O que foi que a Secretaria de Saúde do Estado fez por Itabuna? Abriu dez leitos de UTI na Santa Casa. Para isso, fecharam a unidade coronariana. Enquanto isso, no Hospital de Base a gente poderia ofertar vinte leitos de UTI. O secretário [Fábio Vilas-Boas] preferiu investir numa instituição privada, em detrimento de uma instituição pública, 100% SUS. Para mim, a Santa Casa é uma instituição privada. Havia a opção de fazer no São Lucas. Desistiram. Você sabe que os leitos da Santa Casa são para toda a região, não só para Itabuna. A Secretaria do Estado também encaminhou R$ 4,5 milhões para um hospital privado de Camacan. Eu tenho que ficar calado? Eu vou assumir a responsabilidade do estado? O município assumiu sua responsabilidade. Investimos R$ 6 milhões nos leitos do Hospital de Base, 31 clínicos e 20 de UTI. Esse recurso veio do Ministério da Saúde. Se o estado investisse no Hospital de Base, usaríamos para enfrentar o vírus em outras frentes. Nós tínhamos que falar a verdade. Se não fosse assim, amanhã ou depois, poderíamos responder por omissão. Até hoje eles não habilitaram os leitos do Hospital de Base, quem está bancando é o município.
A sinceridade lhe prejudicou?
Não. Eu não fui punido por ter falado a verdade. Eu fui punido por uma situação política. Botaram na cabeça do prefeito que eu estava falando do governador, mas não fiz isso.
1 Comment
Deixe um comentário Cancelar resposta
Newsletter:
Assine e receba nossas notícias no seu e-mail:
Raimundo Sergio
24 de junho de 2020 at 19:34Excelente entrevista, uma pessoa séria faz como o ex-secretário, fala o que pensa, ótima administração à frente da secretária de saúde, Jesus não agradou a todos não é o ex-secretário que vai agradar.