Para advogado, site revelou “indício fortíssimo” de crime de responsabilidade contra Marão
Palavras-chaves: Administração Pública, créditos especiais, créditos extraordinários, crimes de responsabilidade, Decreto-lei 201/67, Direito Financeiro, Entrevista, espécies de créditos adicionais, Lei 4.320/64, Lei Orçamentária Anual (LOA), Marão, prefeito Mário Alexandre (PSD), Prefeitura de Ilhéus, princípio da legalidade
O Ilhéus Comércio entrevistou ontem (27) o advogado criminalista Dimitre Padilha. Em pauta: os indícios de irregularidades no processo de execução dos recursos para o enfrentamento da Covid-19 em Ilhéus.
Na segunda-feira, 24, informamos que a Prefeitura de Ilhéus pagou despesas para o enfrentamento da epidemia de Covid-19 sem cumprir exigências da legislação financeira. Desse modo, com documentos, apontamos indícios que levantam a suspeita de que o prefeito Mário Alexandre pode ter cometido crime de responsabilidade. Leia aqui.
Em resposta publicada terça-feira, 25, o governo classificou a matéria como “notícia falsa”, sem, no entanto, apresentar o decreto que abriu crédito extraordinário para as despesas imprevistas na Lei Orçamentária Anual, contentando-se em apresentar a Lei Municipal 4.061/2020, que autorizou crédito especial para o combate à epidemia. Acontece que mesmo essa modalidade de crédito adicional (especial) exige o respectivo decreto que regulamenta a despesa imprevista, conforme a Lei 4.320/64. Na segunda reportagem do site, apresentamos a nota da prefeitura e ouvimos um especialista em contabilidade, Uildson Nascimento, ex-secretário de Saúde de Itabuna e de Ilhéus. Veja aqui.
Nesta quinta-feira, 27, voltamos ao assunto entrevistando o advogado criminalista Dimitre Carvalho Padilha. Segundo ele, o Executivo podia usar a modalidade de crédito especial, desde que cumprisse toda a “ritualística” prevista na Lei 4.320. Ou seja, após a aprovação da Câmara e antes do prefeito ordenar as despesas, a lei municipal que as autorizou deveria ter sido regulamentada por decreto.
“Realmente, não existe irregularidade na escolha da espécie. Mas, vamos lá: nós temos uma Lei Orçamentária Anual que prevê eventos futuros. A Lei 4.320/64, em seu artigo 40, prevê a possibilidade de créditos adicionais. E aí nós temos três espécies: suplementares, especiais e extraordinários. Na verdade, existiu um erro técnico na escolha da espécie. Por quê? A espécie crédito adicional especial exige um rito muito mais rigoroso. Ele exige que seja promulgada uma lei, que precisa ser submetida ao Legislativo”, explica o advogado, destacando que a aprovação parlamentar depende de maioria absoluta. Ou seja: “50% mais um de todos os edis”.
Depois da autorização do crédito adicional, conforme Padilha, “o prefeito deve expedir um decreto regulamentando a lei”. “Aqui eu chamo atenção para a importância do decreto”, continua o advogado: “não é uma mera formalidade”. Esse é o ato administrativo que “vai esmiuçar a lei. Ele vai nortear como será a execução [do crédito adicional não previsto na Lei Orçamentária Anual]. O decreto deve conter [apontamento detalhado] de como esse fundo vai ser gasto: x valor vai para a compra de determinados itens, por exemplo, respiradores. […] O decreto é muito importante porque ele vai regulamentar a execução da lei”.
Portanto, avalia Dimitre Carvalho Padilha, a escolha do crédito especial implica num rito legislativo muito “mais demorado e mais penoso”. “Esse momento que o Brasil passa – e, em nosso caso, o município – exige uma certa celeridade. Por isso digo que houve um erro técnico na escolha do crédito adicional especial”.
Em seguida, o advogado explica que a nota técnica do Ministério da Economia sobre o assunto também recomendou o uso da modalidade crédito extraordinário, sem, no entanto, proibir o uso do crédito especial. O ponto é que o crédito extraordinário é o mais adequado para o enfrentamento de situações emergenciais, como a situação de calamidade pública causada pelo novo coronavírus. Isso, contudo, não significa que essa modalidade é menos ou mais transparente do que o crédito especial, não restando dúvida de que ambas as espécies dependem dos respectivos decretos regulamentares do Poder Executivo – que a Prefeitura de Ilhéus ainda não apresentou.
Na sequência, o advogado lembra que o princípio da legalidade vincula toda a Administração Pública, que “só pode praticar atos autorizados por lei”. Além disso, destaca, nenhum pagamento com os recursos extraordinários recebidos pelo Fundo Municipal de Saúde poderia ter sido realizado antes do dia 2 de junho de 2020, data em que a Lei Municipal 4.061 foi publicada e passou a vigorar.
Desse modo, como os documentos apresentados pelo Ilhéus Comércio indicam que houve pagamento antes da publicação da lei e, por consequência, sem o decreto de abertura do crédito especial, há indícios de que o prefeito pode ter incorrido no crime de responsabilidade tipificado no inciso V do Decreto-lei 201/67.
Por fim, antes de apresentar a íntegra da entrevista, destacamos abaixo um trecho didático da explicação de Carvalho Padilha:
“Eu vi também na matéria documentos que demonstram que houve movimentações financeiras anteriores à promulgação dessa lei [Lei Municipal 4.061 de 2 de junho de 2020] e ao cumprimento de todos os ritos. Salvo engano, tem movimentação financeira em extrato bancário datado de abril. O que acontece? Pelo princípio da legalidade, nenhum ato administrativo pode ser praticado sem haver lei que o autorize. Então, aí é um indício fortíssimo de um crime de responsabilidade, porque o fundo destinado para o coronavírus começou a ser utilizado sem existir ainda a promulgação da lei, sem existir aprovação da Câmara de Vereadores, sem existir decreto que vai regulamentar a lei. A meu ver, neste ponto específico, há sim a possibilidade de uma denúncia e de uma responsabilização por crime na Administração Pública, pelo fato de ter sido praticado um ato sem lei que o autorizasse”.
Assista.
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