Marão e Rui Costa ignoram diferença de testes ao comparar avanço do vírus em Ilhéus e Itabuna

Foi no primeiro fim de semana de maio que o prefeito Fernando Gomes disse que não vai tentar governar Itabuna pela sexta vez. “Não vou para a reeleição com um negócio desse do coronavírus. Isso é uma loucura. É uma desgraça o que estão fazendo no mundo com essa doença”, explicou ao jornal A Tarde. Na noite daquele sábado (2), Itabuna tinha 234 casos confirmados de Covid-19. Doze dias depois, a contagem disparou até chegar aos 436 dessa quarta-feira (13).

Nos debruçamos sobre os boletins epidemiológicos do município para entender o aumento expressivo dos resultados positivos e comparamos com os números da vizinha Ilhéus. Entre os dias 2 e 13 de maio, Itabuna teve 1069 notificações, 332 a mais do que as 737 de Ilhéus.

Nesse intervalo houve um aumento significativo dos testes diários em Itabuna, que obteve 202 resultados positivos para a Covid-19. Com 353 testes a menos no mesmo período, Ilhéus registrou 110 casos confirmados.

A diferença no volume de testes realizados nas últimas duas semanas impulsionou o salto de Itabuna à frente de Ilhéus, na corrida para controlar o espalhamento do vírus. Na noite de ontem, eram 332 os pacientes comprovadamente infectados no município litorâneo.

Com 1825 exames concluídos, Itabuna tem quase 500 a mais do que Ilhéus, que testou o total de 1349 pessoas. Os boletins citados nesta matéria são os reunidos acima.

Diante dos dados recentes das duas cidades, o governador Rui Costa e o prefeito ilheense Mário Alexandre (Marão) ignoraram a diferença na quantidade de pacientes examinados e chegaram num consenso estatístico. Segundo o petista e o alcaide do PSD, hoje o combate ao vírus tem melhores resultados em Ilhéus do que Itabuna.

Para concluir isso, valeram-se do aumento diário dos casos confirmados. A comparação teria sentido se o volume de testes recentes nos dois municípios fosse, pelo menos, parecido. O problema na conta do prefeito e do governador é que, agora, com 1825 exames concluídos, Itabuna tem quase 500 a mais do que Ilhéus, que testou o total de 1349 pessoas.

“Ilhéus tinha um maior número de casos do que Itabuna há uma semana atrás, e Itabuna passou com folga. ‘Passou passando’, como diz o povo. Portanto, nós conseguimos controlar o ritmo em Ilhéus, mas ainda não conseguimos controlar em Itabuna. Por isso a necessidade de medidas mais severas hoje em Itabuna do que em Ilhéus. [Em] Ilhéus, não significa que vai folgar, não. É para manter apertado, mas significa que as medidas deram resultado em Ilhéus”, assim falou o governador Rui Costa no Papo Correria da última segunda-feira (11).

O Governo Mário Alexandre gostou tanto da fala de Rui Costa que reproduziu o trecho acima no Facebook da prefeitura.

Na mesma segunda-feira, o governador disse que conversou com o prefeito Fernando Gomes, aquele que desistiu de tentar a reeleição, e decidiram que Itabuna precisava decretar toque de recolher para diminuir a velocidade de espalhamento do vírus. Parece ter sido essa a medida severa da qual havia falado naquele mesmo dia.

Na terça-feira (12), enquanto Itabuna iniciou o dia com os preparativos para o toque de recolher que começaria à noite, o prefeito Mário Alexandre deu uma entrevista de quase 2 horas para o comunicador Vila Nova (O Tabuleiro, Ilhéus FM). Marão também se referiu à diminuição do percentual de novos casos diários em Ilhéus para confrontar os números da pandemia em Itabuna. A exemplo de Rui Costa, ignorou o aumento substancial dos testes na cidade vizinha nas últimas duas semanas.

Ao invés da variação percentual de testes positivos entre um dia e outro, cujo acompanhamento estatístico é prejudicado pela subnotificação dos casos, o analista de dados Cid Edson Póvoas prefere observar a taxa de contágio. Chamada de R0, ela aponta a quantidade média de pessoas para as quais cada infectado transmite o vírus. Conforme o site do analista, o R0 de Ilhéus é de 1.3, e o de Itabuna, 1.1, considerando os registros da Secretaria de Saúde da Bahia até essa quarta-feira (13).

A diferença entre as taxas de contágio nos dois municípios parece, mas não é pequena, porque o vírus se espalha numa crescente exponencial. É esse crescimento veloz dos casos que, segundo os cálculos do Cid, pode fazer com que Ilhéus tenha 240 vitimas fatais do novo coronavírus até o dia 12 junho, se o município mantiver o R0 em 1.3 e a taxa de letalidade verificada em 5.4%.

Já Itabuna, se mantiver a mesma trajetória ascendente de casos verificada até ontem, poderá ter 36 óbitos até o dia 4 de junho, caso mantenha também a letalidade de 2.4% dos pacientes comprovadamente infectados.

É importante ressaltar, por outro lado, que as taxas de letalidade verificadas nos dois municípios são distorcidas pela grande subnotificação de casos. Dito de outra forma, se Ilhéus e Itabuna tivessem feito mais testes, o percentual de mortes seria menor. Atualmente, a taxa de letalidade esperada para as diferentes regiões do Brasil varia entre 0.7% e 1.2%, conforme o virologista Átila Iamarino.

No seu site, Cid explica que as projeções mostradas acima (para Ilhéus e Itabuna) foram feitas “considerando ausência de medidas que possam mitigar o avanço” do contágio. Hoje, 14, numa conversa via WhatsApp com a nossa reportagem, ele esclareceu que as projeções se baseiam nos números atuais, que já foram impactados pelas medidas adotadas nos dois municípios desde março.

Portanto, para que suas taxas de contágio diminuam e revertam a trajetória crescente dos casos, os dois municípios precisam adotar soluções mais eficazes do que as experimentadas até agora. E as novas tentativas entraram em curso nesta semana. Junto com Ipiaú e Salvador, Ilhéus e Itabuna formam o quarteto de cidades baianas que vão isolar pacientes com sintomas leves da Covid-19 em centros de acolhimento. O Governo Rui Costa viabilizou a iniciativa em parceria com as prefeituras.

Com um prefeito octogenário que – por enquanto – desistiu de tentar o sexto mandato, Itabuna foi além da vizinhança sulbaiana e adotou medida mais severa de distanciamento social: toque de recolher das 20h às 5h. Com taxa de contágio maior do que na cidade vizinha, o avanço do vírus em Ilhéus desafia a sustentabilidade do consenso estatístico entre Marão e Rui Costa.